Bita do Barão ficou rico fazendo “trabalhos” para a poderosa família do Maranhão e seus correligionários
Reluz e é ouro - Dono de cinco fazendas, hotel e posto de gasolina (Flávia Valsani/Veja) |
Veja –
Encontrar o equilíbrio espiritual, trazer um amor perdido de volta, ter sucesso
nos negócios e atrapalhar a vida de um inimigo são alguns dos pedidos mais
comuns feitos aos pais de santo. Para Bita do Barão, um dos mais celebrados
feiticeiros do Maranhão, a cartela de serviços oferecidos vai além de questões
tão terrenas, tão prosaicas. Ele ficou famoso por atrair políticos em busca de
uma única e singela encomenda: vencer as eleições. Seus principais clientes são
José Sarney e sua filha, Roseana, pilares do clã do MDB que por décadas manda e
desmanda no estado. Os dois recorrem ao babalorixá há pelo menos quarenta anos,
seja em véspera de pleitos, seja por questões de saúde. Roseana se consultou
com Bita para enfrentar um câncer no pulmão, outro na face e um aneurisma
cerebral.
Natural de
Codó, cidade de 120 000 habitantes a 305 quilômetros de São Luís, Bita é adepto
do terecô, liturgia que reúne danças com vigorosas batidas do tambor. O terecô
nasceu nas florestas de cocais no Maranhão. Mistura técnicas de umbanda, magia
negra e rituais indígenas. “Já fiquei incorporado por sete dias seguidos,
sempre dançando”, diz ele. A cidade é conhecida por ser a “esquina espiritual
do Brasil”, com mais de 200 terreiros. Tal qual um coronel, ele recebe a visita
de vereadores, prefeitos e juízes em seu centro, que ocupa todo um quarteirão.
O religioso usa vestimentas feitas de renda francesa, coleciona porcelanas
chinesas e paga do próprio bolso viagens de familiares para destinos como
Dubai, Israel e Itália. Incorpora divindades para públicos que vão de mais de
1 000 pessoas a, eventualmente, um único cidadão, sempre paramentado com
colares, pulseiras e anéis de ouro genuíno. Como nada cai do céu de graça, todo
esse luxo se deve ao retorno financeiro trazido por seus “trabalhos”. “Sou
conhecido por curar tudo quanto é tipo de doença, inclusive já levantei defunto
de dentro do caixão”, jura. A consulta custa 1 000 reais (em espécie; as
entidades não aceitam cartão). Quando avalia que o caso requer um serviço
extra, os valores podem saltar para 5 000 reais — além dos gastos com os
animais usados nos sacrifícios. Bita é dono de cinco fazendas, um hotel e um
posto de gasolina, entre outros negócios. Ele diz que é especializado em
trabalhar o lado “direito”, do bem, a favor de objetivos positivos e sem o uso
de bichos. “Não gosto de trabalhar com o Satanás, para prejudicar, mas as
pessoas me pedem por achar que sou bruxo”, afirma.
Roseana Sarney
e o bruxo se encontram com frequência, na residência dela em São Luís ou no
terreiro dele, em Codó. Ele conta que já começaram as rezas e os banhos no Rio
Itapecuru para que Roseana seja eleita e exerça seu quinto mandato como
governadora do Maranhão. “Minha canela e joelho vão arder até a minha comadre
ganhar”, diz. Comadre de fato. Ela batizou Maria Eduarda, uma das três netas do
pai de santo.
A filha de
Sarney não percorre as estradas esburacadas que ligam São Luís a Codó. Viaja de
helicóptero até a cidade, cujo Índice de Desenvolvimento Humano é 0,595
(equivalente ao da República do Congo e ao da Guiné Equatorial). Roseana desce
no aeroporto privado do empresário Francisco Carlos de Oliveira, pai do
prefeito da cidade, Francisco Nagib de Oliveira. A frequência assídua lhe
garantiu um quarto dentro da casa de Bita. Por meio da assessoria de imprensa,
Roseana diz não ser mandingueira e reforça suas crenças católicas. “Todos que
conhecem a minha história sabem da minha extrema fé em Deus”, diz.
Bita atrai
milhares de turistas do Brasil e do exterior às oferendas coletivas para orixás
como Ogum e Oxalá, todo mês de agosto. “Há mais de vinte anos não perco um
festejo”, afirma o senador maranhense João Alberto Souza (MDB). Assim como
Roseana, ele se hospeda na casa de Bita, que distribui alimentos para a
população carente nessa época do ano. Gente de todas as camadas sociais vara a
madrugada vendo Bita receber entidades. O ritual muda do campo espiritual para
o mundano ao ganhar ares de palanque. “Às 4 da manhã, no ápice do
acontecimento, eu tomo o microfone para fazer um discurso”, diz o senador
Souza.
Nascido Wilson
Nonato de Souza, o nome religioso do pai de santo surgiu de uma mistura: bita é
o apelido local de cabrito e barão se deve ao fato de o religioso incorporar
uma entidade chamada barão do Guaré. Seus pais não aceitaram seu dom mediúnico
na infância. Estudou até os 10 anos e trabalhou em uma tecelagem até encarar
seus dotes como uma missão divina. Como estratégia para demonstrar vitalidade,
mente a idade sem se ruborizar. Às vezes afirma ter 80 anos, outras vezes, 103.
Mostrar o documento de identidade para tirar a dúvida está fora de cogitação. A
pele lisa, jura por Iemanjá, ele diz ser força de seu DNA — e não do Botox.
Quando não está no terreiro, parece um senhor discreto, adepto de ternos bem
cortados e de cores sóbrias. É assim, aliás, que vai dar passes em José Sarney
em Brasília. Mantê-lo por perto faz parte de uma tradição dos clientes. No mês
passado, o senador Edison Lobão (MDB) pisou em falso na saída de um
restaurante. O acidente resultou numa fratura no fêmur. “Olha só o que me foi
acontecer, não fico mais um ano sem ir ao terreiro do Bita”, brinca Lobão.
Viúvo há 36 anos, o religioso tem uma única filha, Janaína, que considera sua
herdeira espiritual nos negócios de terecô. Embora afirme trabalhar quinze
horas por dia, ele encontra tempo para a namorada, Iolanda, também mãe de
santo. “Mas não temos relações, já não consigo”, avisa, com um sorriso. Alguns
trabalhos parecem ser mais difíceis que outros.
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