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Os juízes de Direito brasileiros estão estressados e ansiosos, trabalham demais e sentem que seus salários não são suficientes. É o que mostra o relatório parcial do 2º Censo do Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado nesta terça-feira, 19, elaborado a partir das respostas de 6,1 mil magistrados do País. O subsídio mais baixo de um juiz federal hoje é de R$ 33 mil, equivalente a 25 salários mínimos.
Quando se fala na relação trabalho versus salário, a maioria dos magistrados brasileiros (79,7%) disse ao CNJ que acha que está trabalhando demais, e um número bastante similar (73,9% dos que responderam a pesquisa até agora) acha que a remuneração que recebem não está adequada.
Questionado pelo Estadão, o CNJ disse que não tem uma estatística sobre a remuneração média dos juízes, desembargadores e ministros do País, “porque os tribunais são autônomos para definir os valores, desde que respeitado o teto constitucional”. O órgão também informou que prefere não comentar os resultados do Censo porque os dados ainda são preliminares.
No dia 1º de setembro, o Conselho publicou o anuário Justiça em Números, que mostrou que um magistrado custa, em média, R$ 68 mil aos cofres públicos por mês – o que equivale a 51,5 salários mínimos. Esse valor ultrapassar o teto constitucional, valor máximo que um servidor público poderia ganhar, que hoje é de R$ 41 mil.
Isso se explica pelo fato de alguns penduricalhos – benefícios como adicionais por tempo de serviço, congratulações, gratificações, que podem ser criados e ter validade só para os membros de determinada corte – ficarem de fora do limite do teto. Como mostrou o Estadão, no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) há magistrados que ganham até R$ 170 mil por mês, o que rende à Corte o título de “mais bem paga do País”.
Percepção ‘aristocrática’ da realidade
Fernando Fontainha, doutor em ciência política pela Université de Montpellier (França) e pesquisador de Poder Judiciário, diz que o sistema de Justiça brasileiro é “o mais caro do planeta”. Ele compara o Brasil com a França, onde um magistrado começa ganhando € 1.800 (R$ 9,3 mil) e pode encerrar a carreira com € 7.300 (quase R$ 38 mil).
“Não há país em que o juízes sejam remunerados como no Brasil. Estamos falando de pessoas que começam ganhando praticamente R$ 30 mil no seu primeiro salário”, diz o pesquisador. Ele concorda com a reclamação da magistratura de que o trabalho é excessivo, mas afirma que a reclamação sobre as remunerações evidencia uma “percepção aristocrática da realidade”.
“Há uma promessa de um prestígio social descomunal, desde a faculdade de Direito. Isso não é descolamento da realidade. É uma certeza aristocrática completamente incompatível com a vida republicana moderna”, afirma Fontainha.
Estressados, ansiosos e exaustos
O Censo de 2023 aborda também algumas questões relacionadas à saúde mental, elencando as principais queixas dos membros da magistratura. São elas: estresse (58,5%), ansiedade (56,2%), esgotamento emocional (34,1%) e esgotamento físico (28,9%). Os magistrados brasileiros estão estressados, ansiosos e exaustos.
Uma parcela menor (15,1%) afirma ter diagnóstico de depressão, uma das doenças que mais se alastra no mundo. Na pesquisa, 2,2% dos juízes afirmam fazer uso abusivo de álcool ou drogas e 2,2% afirmaram ter ideias suicidas. Pouco mais de um terço, 30,9%, disseram que não são felizes na carreira.
“O cotidiano de um tribunal é profundamente belicoso”, afirma Fontainha. Ele explica que, dentro da magistratura, “é necessário ter padrinhos na sua instância ou na instância superior para conseguir realizar todo e qualquer interesse”, como promoções, indicações para vagas em tribunais, mudanças de cidade e aumento da equipe.
Para o docente, esse é um dos fatores que contribui para a percepção de infelicidade dentro da carreira. “É uma dimensão extremamente relevante do trabalho a política interna dos tribunais para realização de interesses e ascensão nas carreiras”, diz o professor.
Maioria dos juízes são brancos, heterossexuais e cisgêneros
A pesquisa do CNJ é autodeclaratória e vai até o final desta semana, mas alguns dados, mais robustos, dificilmente sofrerão grandes mudanças. É o caso, por exemplo, de quando se fala na cor: 82,7% dos magistrados – o que inclui juízes de primeiro grau, desembargadores de tribunais e ministros de cortes superiores – se enxergam como brancos.
O domínio da branquitude no Poder Judiciário impulsiona movimentos sociais e grupos da comunidade jurídica a reivindicarem a nomeação de uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal (STF), que terá uma vaga em aberto no final desse mês por causa da aposentadoria de Rosa Weber. Por ora, os nomes cotados são de homens que não se declaram como negros.
Quase a totalidade dos 6,1 mil magistrados que participaram do censo do CNJ disse ser heterossexual (96,4%) e cisgênero (96,4%), quando a identidade de gênero e o sexo biológico são iguais. O número de transexuais não chegou a um percentual significativo – e pode estar incluído entre os 2,7% que preferiram não responder à pergunta. Uma pesquisa do Datafolha de setembro do ano passado mostrou que 9,3% dos brasileiros pertencem à comunidade LGBTQIA+.
Fontainha alerta para a necessária separação entre trajetória e desempenho. “Esses dados têm a ver com a trajetória, o desempenho é outra coisa. As conexões não são imediatas: dizer que a magistratura é majoritariamente branca não necessariamente quer dizer que ela é racista. No momento em que mulheres já são maioria nos cursos de direito, a magistratura ter mais homens não significa dizer que ela é necessariamente machista.”
O professor avalia que esses dados mostram é que “a magistratura é muito pouco porosa a transformações sociais e demandas por transformação social. A corporação judiciária segue bastante dura e pouco aberta a identidades divergentes”.
O que as entidades têm a dizer
A reportagem entrou em contato com três entidades representativas de alcance nacional – Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) – questionando se os dados da pesquisa de fato espelham o perfil da categoria. Até a conclusão da reportagem, apenas a Anamatra retornou.
A presidente da associação, Luciana Conforti, enviou uma nota ao Estadão dizendo que os dados do CNJ “são parciais e, portanto, incompletos, razão pela qual não é possível uma análise definitiva pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)”.
Sobre o valor médio de despesa por magistrado, a Anamatra afirma que “é necessário, entre outros aspectos, que seja feito um recorte por ramo de Justiça, tendo em vista a existência de profundas discrepâncias remuneratórias, em prejuízo dos Magistrados do Trabalho”.
Com informações do Estadão
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